quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

"Breve Reflexão em Torno do Chamado «Acordo Ortográfico»"

Estou volta-e-meia a ouvir gabar as maravilhas do chamado "Acordo" ortográfico recente. O jornal "Record" lembrou-se mesmo de implementá-lo, ao que julgo saber, espontaneamente, isto é, de forma mais ou menos original e avulsa.
"Acordos" destes é o que dão: uma salganhada incrível com uns a escrever "assim" e outros "assado" e o governo (o Ministério sda Cultura, o da Educação) a assobiar para caracteristicamente o lado porque tem de ir "chatear professores" o que dá um trabalhão danado e ocupa a maior parte do tempo das "mentes brilhantes" que por lá acamparam...

Um destes dias, li no referido "Record" (edição do dia 10.02.09, no curto texto referente às declarações do treinador de futebol Jaime Pacheco (*) titulado "Estamos mais confiantes", inserido na página 12) que "de fato" (juro! "De fato"!!) havia certa circunstância que não-sei-quê-não-sei-que-mais...

"De fato", ham?... ´

O balanço era tanto que do "ato" (onde o "c", com efeito, não se lê, é mudo) já vamos no... "fato".

Mas o tal "Acordo" tem muitas coisas giras em si mesmo. É, desde logo, uniformizador e autoritário. Isto é, se eu em vez de "artefato" quiser ler (e estou no meu direito!) "artefacto", com o "c" sonoro, o "Acordo" proibe-mo forçando-me a aceitar o idiolecto alheio administrativamente convertido em padrão obrigatório...

Se, por outro lado, uma criança quiser pronunciar a partir da língua escrita "guerra" e "unguento" continua, apesar do tal "Acordo" que ia "pôr na ordem" a relação lógica da escrita com a fonética sem ter suporte gráfico sólido, eliminado que foi em tempos o trema, o "Umlaut" alemão...

Bela aproximação da escrita à oralidade esta, sem dúvida, bela racionalização da relação entre ambas as componentes do discurso linguístico...

E, já agora, se quisermos distinguir a "recepção" (com "e" sonoro) da "recessão" (com "e" mudo?) Claro que na bolsa é (dolorosamente!) fácil distinguir um e outro mas em termos linguísticos, mesmo com a tal apregoada racionalização a coisa fia seguramente (bem!) mais fino...

(*) A frase completa é: "Começámos muito bem, conseguimos marcar um golo cedo, mas recuámos em demasia no terreno, um fato que o Paços de Ferreira proveitou, acabando por empatar o jogo".

[Imagem extraída com a devida vénia do blog Revista Decifra-me wordpress]


"As Bolas de Prata de...Bola Corrida e outras boas anedotas de «um certo» futebol"


Hoje, além do "Público", comprei também o "Record". Melhor: comprei um DVD por 1€ e ctms. 60 e ainda me deram um jornal inteiramente grátis...

Pois...

Lendo-o deparei com um artiguinho verdadeiramente impagável do não menos impagável António José Saraiva, ex-"Expresso" (impagável, quer dizer: eu, feitas as contas paguei um euro e oitenta por um pacote que o incluía, portanto, paguei-o; a verdade é essa...); António José Saraiva que, agora, pelos vistos, à semelhança desse genuíno puro sangue do banal que é Marcelo Rebelo de Sousa, "Doutor, especialista em Tudo" (ou em... "tudologia", ou seja, em "ciência tudológica") agora também "percebe de Desporto".

Volto a dizer: pois...

Sucede que o filho de António José Saraiva desta feita (não li nenhuma outra das suas certamente sapientíssimas croniquetas generosamente prodigalizadas, aliás, um pouco... "dapertuto", confesso...) vai desenterrar como tema da sua reflexão de hoje (dia 11.02.09) a magna questão das "bolas paradas" no futebol.

Ele acha mal.

Põe reservas.

Teoriza.

"Lucubra"

"Bolas paradas" et al...

Eu diria: é o que dá quando os grandes pensadores, as cabeças pátrias "de referência", cedem à tentação do fácil e do "pop"...

A questão, aliás, está longe de ser nova. Recordo-me, por exemplo (acho, aliás, que, desde aí, nunca mais vi a Académica com os mesmos olhos, tão pirosa e tão provinciana me pareceu a atitude em causa...) de uma ocasião o clube "dos estudantes" de Coimbra (ou melhor: o clube que já foi de estudantes e que tem, ainda hoje, sede em Coimbra--é mais rigoroso dizer deste modo...) perante a presença invariável do grande jogador que foi Eusébio durante vários anos na liderança final das "Bolas de Prata" que distinguiam o melhor marcador da I Divisão, resolveu, com o "argumento" de que o Pantera marcava muitos golos (lá está!) "de bola parada" oferecer-lhe (juro! Isto é mesmo verdade!) a "Bola de Prata... (preparem-se!) de bola corrida"!!

Porque, diziam os mentores da deliciosa iniciativa, tirando os livres e os penalties, o Artur Jorge (grande jogador ele foi, ham? Atenção! Isso não está em causa!) tinha mais golos marcados.

Santa ignorância, sagrada saloíce!

O dizer isto (ou o pôr absurdas reservas ao aproveitamento específico das situações de livre ou de grande-penalidade no caso da crónica argumentando que--e cito--"o penálti no futebol é a falta que mais falseia (!!) os resultados) equivale pura e simplesmente a nada perceber do que ali em baixo se passa, domingo a domingo assim como, já agora, o que durante a semana, em treinos e ensaios gerais, tem lugar.

Primeiro, o penálti (como escreve Saraiva--e ele especifica: "Não me refiro só aos penáltis mal assinalados. Refiro-me aos penáltis em geral"); o penálti (quando correctamente assinalado, é óbvio!) não falseia rigorosamente coisa alguma.

Porquê? Porque quem os comete só o faz, por definição (a menos que seja completamente tonto...) porque em termos de estrito código do jogo deixou de ter solução para os problemas de jogo criados por quem tem ou teve mais qualidade ou mais talento.

Ora, isso é do jogo!

É parte integrante dele achar a solução para cada situação do próprio jogo, uns evitando que o adversário possa "score", i.e., que ele possa cumprir aquele que é o real objectivo do jogo ("the goal of footballing") que é esse mesmo, meter a bola na baliza adversária, os outros evidentemente tentando evitá-lo.

Que é que há de "falseador" nisto, francamente escapa-me.

Para mim (como, parece-me, para qualquer pessoa de bom senso...) o que falsearia o resultado seria permitir que as regras do próprio jogo fossem, digamos assim: ilegitimamente "contornadas" fosse por quem fosse sem que para obstar a tal existisse uma resposta precisa prevista com o exclusivo recurso a gestos e práticas do próprio jogo.

"Ah porque há "muitas jogadas que dão origem a penálti e não dão em golo", diz o articulista.

Pois mas não dão porquê?

A única razão pela qual um penálti não dá em golo é a falta de capacidade do respectivo marcador para alcançar o objectivo (lá está! O "goal"!) em causa.

Ora, isso é inequivocamente do futebol: é o futebol cumprindo-se, nem mais nem menos!

Mass há também, escreve ainda o articulista, aquelas "jogadas perfeitamente inofensivas junto à linha de fundo, ou nos limites laterais da grande área" que "quantas vezes" não dão "origem a penáltis".

A argumentação não tem obviamente a mínima sustentação: quem tem de gerir os seus gestos e decisões em campo são os jogadores, a parte mais essencial do jogo: se decidem mal, o problema é de quem?

De quê?

Do próprio jogo, evidentemente.

Do modo errado de abordá-lo, de resolver as situações em campo e isso, mais uma vez, se não é (d)o próprio futebol é de quê?

(D)a meteorologia?

(D)a filosofia?

Valha-nos Deus...

O futebol não é "dar pontapés à toa numa bexiga cheia de ar", como parece, no limite, poder supor-se estar implícito na argumentação do articulista: é, muuuuito mais subtil e infinitamente mais sofisticadamente do que isso, gerir com inteligência (com "inteligência futebolística", no mínimo!) toda uma teoria de gestos e de posicionamentos específicos, conscientes, deliberados, estudados, treinados, cultivados, segundo um código estrito que vincula todos os intervenientes e é, na essência, precisamente o modo como cada um procede a essa gestão que define o fundamental do próprio futebol.

Pode-se (e deve-se, tratando-se de profissionais!) verberar o jogador que não sabe ou que sabe mal gerir a teoria de posturas e gestos em causa--mas isso não tem nada de exterior ao futebol nem o que quer que seja de "traição".

Pelo contrário, insisto, é isso que é o futebol.

Não percebê-lo (e tentar a qualquer preço apostar na carta da "originalidade" como valor argumentativo e jornalístico distintivo) é que não é com certeza...

O que fazem as pessoas lúcidas e esclarecidas no futebol (como no básquete, como no andebol, onde a especialização na exploração inteligente das possibilidades que a gestão individual e também colectiva do código do jogo permite é tal que há jogadores que entram em campo apenas para marcar ou defender penáltis e livres) é precisamente administrar em seu proveito e com exclusivo recurso às referidas potencialidades imediatamente ocultas do código aquilo que nele existe de potencialmente gerível e em si mesmo explorável, como digo, em legítimo benefício de si e/ou da equipa.

Antigamente, se havia "Académicas" bacocas e provincianas, havia também (felizmente!) uns senhores (chamados Carlos Pinhão, Aurélio Márcio, Alfredo Farinha e mais meia dúzia) vinculados a uma autêntica instituição jornalística hoje-por-hoje mais ou menos extinta e que se chamou "A Bola" que sabiam destas coisas como ninguém e para os quais a originalidade, em caso algum, se fazia com sacrifício do estrito, rigoroso conhecimento (e mesmo inteligência!) das coisas da "bola" e que não me recordo, em momento algum, de ouvir falar por falar ou simplesmente para se ouvirem a si mesmos...


[Gravura ilustrativa extraída com vénia do blog "O Cromo dos Cromos"]

"We Was Robbed, Some Say..."


Jornal "Público" de 02.02.09. Editorial de José Manuel Fernandes. Tema: os "upsurges" de xenofobia (chamemos-lhes esperançadamente: circunstancial ou meramente contextual) ocorridos em Inglaterra (sobretudo!) mas agora também já aqui ao lado, em Espanha, com os migrantes (neste último caso com os "over-the-border commuters" portugueses).

Sobre esta questão, um único comentário: como é que é possível (mas, meu Deus, como é que é possível??!!) que ninguém (a começar pelo sempre opinioso editorialista/director do jornal) perceba que "aquilo" é apenas o resultado mas o resultado inevitável de uma "Europa" "feita a martelo", que é como quem diz: feita de encomenda por--e, sobretudo, para!--um conjunto muito específico e limitado de interesses realmente económicos e financeiros e apenas instrumentalmente políticos que não conseguem, em caso algum, por isso mesmo (i.e. por serem os de um grupo muito particular e muito estr(e)ito de indivíduos dentro de uma única classe) ser em última instância, partilhados pela chamada sociedade civil no seu todo??!!

Como é que é possível que, depois do descalabro e do sangrento des-ordenamento administrativo e político aparentemente em muitos casos irreversível demonstravelmente institucionalizado na maioria das antigas colónias europeias em África; depois do fracasso de nações (de pátrias "postiças"...) inteiras como a jugoslava ou a belga; depois de tudo isso ainda haja quem com a maior leviandade e a mais criminosa das irresponsabilidades (estupidez a este nível é crime, meu Deus!) pretenda construir 'em laboratório fechado' e sem acesso das sociedades civis, verdadeiros "meta-países" e/ou "trans-nações" completas como se "a História não existisse" e a realidade fosse "de borracha" ou (sei lá!) "de cera" ou "de plasticina e cartão"?...

Como é que é possível, pergunto eu?

É verdade que, na mesmíssima edição do jornal se diz que os "irlandeses diriam hoje sim ao tratado" a que ainda há pouco na "segunda étapa do mesmo" voltaram a dizer não...

É verdade isso mas... não se perceberá, mesmo perante esse outro facto aparentemente favorável aos "europeizadores de carreira" que por aí pululam, que aquilo que volta aí a ser a ser de facto afirmado é, ainda uma vez, que as pessoas não querem "esta" "Europa" feita brutalmente de cima, feita por decreto senão os irlandeses (os "tais" que se afirma que "hoje diriam sim ao tratado"...) não expressariam (tê-lo-ão realmente feito ou trata-se aqui de puro "wishful politicizing" feito... "por via transversal"?...) essa nova atitude relativamente a ele senão perante um conjunto de garantias (e aqui? Tratar-se-á de verdadeiras garantias ou de "garantias" puramente "simbólicas" e na prática à partida já desactivadas?...) de não-federalização e, por conseguinte, de não-europeicização "a martelo" do seu país, ao contrário daquilo que obviamente se obstinam em pretender os promotores do tal "Tratado" sobre o qual os cidadãos foram, porém, tão... "prudentemente" impedidos de ter voz activa?...

Francamente: quem, editorialista ou político, não percebe a diferença entre uma coisa e outra ou é realmente muito ingénuo (muito tolo?...) ou anda a tentar meter os dedos nos olhos de alguém...

E receio bem que seja nos meus...


[Ilustração extraída com vénia de photobucket.com]

"Questões de cidadania: a regionalização"


Jornal "Público" de 02.02.09: na penúltima página, mais uma tolice qualquer do Miguel Esteves Cardoso (que parece cada vez mais apostado em ser o "Luiz Pacheco do Milénio" mas que é, sobretudo, uma espécie de meramente rumorejante, esvoaçante e invariavelmente inofensivo "cronista" dessa primeira, segunda e terceira maiores cidades do País que é a "Pacóvia Subúrbia", essa realidade tão "actualmente portuguesa", assim tipo "condomínio-de-luxo-com-bandeirinhas-portuguesas-à-janela-carpélio-no-carro-e-todos-à-rasca-para-pagar-um-e-outro-e-ainda-o-colégio-dos-piquenos-e-a-viagem-de-Verão-ao-Brasil-ou-a-Cuba...)--e um texto do Sarsfield Cabral sobre a "regionalização".

Sobre o tal Cardoso, tudo está à partida dito: acrescentar o que quer que seja é, diria eu citando um lugar comum inglês muito conhecido, "exportar lã para Manchester"...

Apenas e só isso.

Já quanto a este Sarsfield Cabral é bom recordar que é o mesmo simpático patusco que, ainda não há assim tanto tempo quanto isso, defendia com o "ar mais sério deste mundo" que se leiloasse (ou pouco menos...) o interior do País porque "não dava lucro" ou coisa que o valha--isto, repito, simplificando um pouco mas não demasiado, entenda-se...

Não admira, pois, que o texto agora publicado no jornal (com visível incomodidade e mal-disfarçada impaciência, aliás, significativamente chamado "Regionalização, outra vez") assente exactamente no mesmo tipo de pressuposto--ou num "tipo" de pressuposto básico em (quase) tudo análogo (o que vai dar ao mesmo) dos que presidiram às sucessivas argumentações anteriores relativamente a esta (e outras!) questões.

É, de resto, devo dizer, um pensar verdadeiramente paradigmático o do modelo de "economicismo" ou de "economacracia filantrópica" (deste "filantropismo funcional") que lhe subjaz e que, com "a crise", voltou em força à ribalta ("et pour cause"!...) para não ter de citar outros, pela mão de curiosíssimas personagens como a dessa inefável figura de "humanista de carreira" que é o Dr. J. César das Neves ou dessa diáfana e discretíssima "avezinha neo-keynesiana" (sempre subtilmente pipilante e esvoaçante entre os cálculos e as ideias, entre o "livro de assentos" e as divagações imaculadamnte teóricas) que escreve igualmente no "Público" e cujo nome, de momento, sinceramente não me ocorre (mas se alguma vez chegar a rever esta "entrada", eu prometo que investigo).

Trata-se, em todos estes "casos", de um modo ou de outro, de um pensar que oscila tão perpétua quanto, no fundo, sempre, tipicamente entre o apelo mais ou menos veemente à aceitação dócil da Fatalidade crónica (ciclicamente agravada, de resto...) da desgraça económica e social (na forma de uma das várias "Europas" que, ao longo dos tempos, este tipo de advogado avençado do statu quo económico-político foi logrando escogitar...) e os mais diversos projectos de miraculosa Conversão... "secundária" ou "terciária" dessa mesma Fatalidade em "programa de civilização", primeiro apenas nacional e, agora, com aquela singularidade civilizacional ambiciosamente chamada "D. Europa" (entidade que se caracteriza, como se sabe, porém, pela mais completa invisibilidade e pela mais absoluta das imponderabilidades...) também global, em qualquer dos casos, literalmente a qualquer preço.

Não vou aqui, apesar de tudo quanto já disse relativamente a alguma tipicidade que, pela negativa, lhe encontro, esmiuçar de forma efectivamente exaustiva o artigo do Dr. Cabral.

Vou, apenas, concentrar-me em dois ou três aspectos mais característicos e marcados por alguma significativa, típica, saliência.

Vejamos: contende o Dr. Cabral que é contra a regionalização porque, em sua opinião, ela seria uma espécie de porta-de-entrada electiva (e administrativa!) para a corrupção.

Não acha, todavia, que ela "ponha em causa", nas suas próprias palavras, "a coesão nacional".

É um argumento seguramente curioso--e por várias razões...


Volto a dizer: vejamos!
Há muito que venho eu próprio contendendo, aqui e sempre que a ocasião se me oferece, que é vital que todos tomemos consciência do facto de, hoje-por-hoje, em Portugal não se viver em verdadeira Democracia, senão que numa espécie de meta-modelo político im/pura ou apenas inertemente residuante, originalmente democrático, é verdade (embora, mesmo assim, em larguíssima medida apenas na teoria, sublinhe-se mas enfim...) que, todavia, por falta de precisos e adequados alicerces institucionais, muito rapidamente deslizou para uma sombra ou uma cópia imperfeita do próprio "modelo", conseguindo, todavia apesar dessa deriva clandestina iludir a (quase...) todos.


Ou seja, pormenorizando um pouco mais: temos em Portugal eleições, temos um parlamento mais ou menos institucionalmente 'resistente' à dissolução, temos referendos, temos uma imprensa não sujeita a qualquer tipo de censura formal (e sublinho bem: "formal"!...) temos, enfim, da Democracia muito--embora não tudo!--de quanto os sábios em geral consideram ser "the works", nestas matérias.


Que nos falta, então, para a Democracia ser entre nós uma credivelmente demonstrável realidade?


Falta-nos, diria eu, o lineamento, o "forro", dessa mesma Democracia.


Uma Democracia (é outra coisa que a mim se me afigura perfeitamente evidente!) não é por definição um sistema em si: é, exactamente ao contrário, (no espírito e tem necessariamente de passar a sê-lo também na letra) um anti-sistema, isto é, um dispositivo institucional de segurança dos regimes políticos genericamente considerados; um "dispositivo" institucional (melhor dizendo: um dispositivo idealmente institucionalizável!) cuja eficácia se mede, de facto (e de direito, também, atenção!...) pelo que evita muito mais (infinitamente mais!) do que por quanto directamente elicita, proporciona ou em si mesmo induz.


As eleições (Salazar, o "segundo Salazar", o do pós-guerra) percebeu-o muito bem com aquela "shenanigan" da "democracia orgânica" que apenas o obrigava a ter os órgãos--alguns dos mais apelativos e sugestivos, em todo o caso--da Democracia sem ser exactamente imprescindível que funcionassem, coisa típica da sua inveterada, bem conhecida, hipocrisia, de resto...); as eleições, dizia, ou a possibilidade de eleger um parlamento não é (não são!) a democracia: integram-se numa arquitetura democrática, são a ponta visível do iceberg democrático, se me é permitido usar de uma metáfora-cliché, de resto, perfeitamente elucidativa...


Por baixo do iceberg, todavia, está aquilo que sustenta (ou que, em última instância, é!) o próprio iceberg: o que não se vê mas está lá e sustenta, afinal, todo o bloco de gelo que, sem essa parte invisível, fatalmente se afundaria.


As Democracias (que, volto a dizer, são muito mais anti- ou não-sistemas do que própria ou impropriamente sistemas em si) são constituídas por uma componente afirmativa ou "direito" imediatamente visível (o "tal" parlamento, as "tais" eleições, a "tal" imprensa dita 'livre' e por aí fora); mas são-no também, obrigatoriamente (a experiência senão o simples bom senso o permitem demonstrar) por uma outra componente orgânica--o seu... "avesso"...-- que serve, de facto, de "andaime estrutural" dessa primeira e, afinal, de todo o edifício verdadeiramente democrático.


Ora, é, no fundo aqui que se situa a própria "alma" (a "casa-das-máquinas"...) da Democracia porque é também aqui que (não!) se situam (e daí o 'drama' todo!...) realidades inteiramente inexistentes (entre nós, pelo menos) como aquelas pelas quais tenho vindo a "clamar no deserto" há anos: a "Mesa" ou "Tribunal de Fiscalização e Conferência Democrática" com poderes tribunalícios específicos e efectivos; a equivalência das múltiplas formas de incumprimento de propostas e propósitos eleitorais em (possível) crime público ou ainda a figura da suspensão punitiva dos agentes políticos infractores.


Ou seja: é inacreditável que um político se apresente a eleições prometendo o que sabe não poder cumprir, bastando-lhe para fazê-lo (isto é, não cumprir) apostar no esquecimento (de facto, no embrutecimento... "natural" do eleitorado genericamente considerado) ou (quando muito!) na vaga "explicação" de ter encontrado uma "situação bem mais difícil do que ele próprio supusera"...


Se um político (a) fosse obrigado a depor numa "Mesa" ou "Tribunal" como aquele que já pelas mais diversas vezes propus um "Programa" de acção rigorosamente vinculativo; se (b) fosse por lei obrigado a juntar-lhe um plano detalhado, obrigatoriamente elaborado por técnicos especializados cujo nome viesse de igual modo por lei a público com os respectivos cálculos, do modo ou modos precisos como o tal político ou o tal partido se propunham levar à prática esse "Programa", não lhes bastando a um e outro 'papaguear' uns quantos lugares-comuns sobre "baixas de impostos", "aumentos de salários" e "fomento do emprego"; se (c) um e outro soubessem que, no caso de incumprirem (com a desculpa atrás citada ou outra qualquer parecida) corriam efectivo risco de serem objecto de sentença formal impedindo-os de, por um número devidamente tipificado de anos, de se voltarem a candidatar a qualquer cargo de representação; se (d) como pretende, de resto, um movimento como o Movimento Esperança Portugal (que está, como se sabe, a anos-luz de ser uma organização revolucionária ou sequer minimamente "de esquerda" mesmo da... "moderada"--seja lá o que for que isso signifique mas enfim...); se, dizia, os cidadãos (e cito do "Diário de Notícias" de 05.10.08) "que exerçam cargos públicos não [pudessem] aceitar emprego nas áreas que tutelaram durante 12 anos" (ouviram/leram bem: 12 anos!); se todo um conjunto de medidas precisas desta índole específica destinadas a consolidar no concreto a imprescindível auto-vigilância e auto-diciplina realmente democráticas do sistema político fossem--como era fundamental que fossem!-- agregadas àquelas que funcionam como as "token" (ou mesmo as "fetish"...) "institutions" da mera "demomorfia funcional" que, entre nós (e, genericamente, na tal "Europa") passa vulgarmente por Democracia; então sim, poderíamos começar a ter as bases de um autêntico sistema representativo, caracterizado nuclearmente pela negociação funcional do exercício do poder político e não, como actualmente se passa, pela negociação (e consequente cíclica cedência) do próprio poder político como tal o que configura realmente uma perversão objectiva (um apodrecimento óbvio!) da Democracia e, em caso algum, a sua concretização e/ou a sua material implementação.


Ora, o que hoje observamos, central ou localmente (voltando agora especificamente ao texto de Sarsfield Cabral) é que vivemos politicamente num sistema que tem medo de tudo a começar pela própria evolução e pelo próprio crescimento natural de si próprio (que tem medo da sua "respiração natural" e da imprescindível oxigenação das respectivas "células institucionais", objectivas mas também subjectivas) porque, não lhe restando a mínima dúvida de ser um sistema vulnerável às mais diversas formas de perversão, nada mais deseja--e nada mais faz!--no fundo, do que tentar permanecer tão imóvel quanto possível o máximo de tempo que lhe for possível a fim de evitar (in!) justamente que o mal se espalhe e se propague a mais partes do seu voluntariamente debilitado corpo...


É isso realmente "o que diz Cabral".
Se lermos o artigo com a mínima atenção e o mínimo cuidado (repito: está no "Público" de 02.02.09 e chama-se, como disse, "Regionalização outra vez") não podem (ninguém pode!) deixar de constatá-lo.


Já agora: diz também que as regiões "de" Sócrates são, em última instância, arbitrariamente definidas nas suas fronteiras; resta saber se o são mais ou menos do que as actuais fronteiras provinciais--isto, entenda-se, deixando sempre bem claro que, dos não-sei-quantos-milhões de portugueses que existem no total, eu seria para aí (e na melhor das hipóteses...) o último a deixar-se cativar por qualquer coisa vinda daqueles lados do actual poder, depois de tudo quanto já vi (e ouvi!) nas mais diversas áreas, da Saúde à Educação, com idêntica proveniência...


Agora, que "aquilo das fronteiras" é pura "palha", ai isso seguramente!...


Até eu que não tenho, volto a dizer, o mínimo rebuço em admitir que não gosto nem só um bocadinho de Sócrates e Co. e/ou daquilo que eles de facto e concretamente de mau representam na prática para o presente mas especialmente para o futuro da sociedade portuguesa tenho de, em toda a honestidade, admiti-lo...


A regionalização só espalha o morbo da corrupção se o parlamento (a tal instituição que, para muitos, mais ingénuos, se identifica na prática com a própria Democracia como tal); a regionalização, dizia, só espalha o morbo da corrupção e das mafias clientelares assim como, além disso, apenas potencia as já existentes dissimetrias regionais se o poder económico-político vigente (Sócrates e Companhia são bem o expoente máximo da institucionalização material, objectiva, da monstruosa, caracteristicamente "pós-civilizacional" figura "política" do "Estado-almocreve"...) persistir em se recusar, como ainda há pouco, mal-disfarçadamente (escandalosamente!...) aconteceu com a tentativa do deputado Cravinho no sentido de legislar com clareza e determinação nessa área); a regionalização do País, dizia, então, só introduz tais deformações no mapa político-administrativo mas também seguramente económico e social do País se quem de direito (de democrático direito) persistir em nada fazer de efectivo para obstar à proliferação de qualquer um dos indesejáveis e (social, económica, política e civilizacionalmente!) vergonhosos fenómenos.


Agora que até do ponto de vista ecológico (que é um aspecto que parece, aliás, preocupar em geral muito pouco os economistas: não dizia este mesmo Sarsfield Cabral aqui há tempos, nesse mesmíssimo "Público" onde agora vem repor em questão algo de a prazo absolutamente essencial para a sobrevivência material do próprio País que a migração maciça das populações do interior para o litoral era algo de inevitável e, no fundo, até de perfeitamente aceitável porque "lógico" no contexto dos actuais paradigmas de produção ou de exploração economocêntrica da realidade?...); agora que, dizia, até do ponto de vista ecológico se revela cada vez mais inadiável e literalmente mais vital assegurar que massas--vagas inteiras--absolutamente inimagináveis de gente mas de igual modo (e sobretudo!) de carros que todos os dias confluem para os grandes centros urbanos deixam de fazê-lo, deixando de passo de emitir regularmente toneladas de gases com efeito de estufa apenas porque uns senhores comummente designados de "políticos" são suficientemente irresponsáveis para transformar estas questões todas (sociais, económicas, ecológicas, especificamente ambientais, etc.) num mero "jogo" de interesses e de negociação (não-raro arrepiantemente fútil e caprichosa) de poder--ah! Isso com certeza--e é isso que importa e é isso que releva e é isso que configura o próprio cerne de uma questão séria demais para ser deixada nas mãos imprudentes, quer desses "políticos", quer dos "teóricos" que, por trás deles, assomam debitando as vulgaridades que invariavelmente caracterizam o seu típico discurso e que têm como único e real propósito evitar que as coisas mudem e que as actuais "conveniências" escapem, em última instância, àqueles ao serviço de quem elas hoje-por-hoje se "tant bien que mal" encontram.




[Imagem extraída com vénia de blogjorvitorperes.blogspot.com]

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

"Two Lolitas"

A dos Coen (Scarlett Johanson em "The Man Who Wasn't There") e a "clássica" de Kubrick (Sue Lyon em "Lolita" de Stanley Kubrick).

"Oh! Tio! Oh! Tio!..."

Legenda:

Isto ele há coisas!... Anda um homem a tratar da vidinha, a sacar umas massas ao pessoal, a esgalhar uns diplominhas bacanos, a pintar à pistola uns curriculozinhos que aquilo eram um beleza, assim tipo "Biografia Oficial do Pateta" mas em grande, a endrominar uns papalvos com uns mamarrachos de se lhes tirar o chapéu (até me deram o prémio "Taveira das Urzes" ou "do Queijo da Serra" por dois deles que eu nem sequer fiz, só assinei!...) e vem um parente meu qualquer e pimba! Estraga-me, de repente, o arranjinho todo de uma vez!

Ou quase...

Eu há meses que nem durmo a pensar na bronca que por aí pode estoirar de um momento para o outro se não sou capaz de calar definitivamente os "bifes" com alguma das "minhas" que na altura me ocorra...

Ou seja: há meses que ando por aí a gritar no deserto "Oh! Tio! Oh! Tio!" e nenhum Tio parece estar com o que quer que seja de paciência para me ouvir...

Endromino a maioria e logo para azar aquele foge-me do anzol...

Lá vou ter de abrir mais os cordões à bolsa está visto!...



Ele realmente há coisas!...

"Este é o governo... olé-olé-olé!..."

É como diz, Sr. Vital: este é mesmo o melhor governo desde '74!...

[Claro que é preciso não contar com os outros todos, mas mesmo assim!...]

"Four Faces-I"


De cima para baixo: efígies de John Forsythe, Humphrey Bogart, Henry Fonda e John Garfield.

"Four Faces-II"


De cima para baixo: Henry Fonda, John Garfield, John Forsythe e Billy Bob Thornton.

"The Man Who Wasn't There" dos irmãos Coen

Sou, com muita frequência, tentado a procurar, entre os sucessivos filmes que vou vendo, os "sucessores" naturais dos "grandes mestres" do "meu tempo".
É seguramente uma "mania" típica daquilo que, noutros tempos se chamou um "cinéfilo"...
Um "cinéfilo" era um fulano que tinha uma espécie de cabalística "veneração" (que, entretanto, de todo se perdeu, aliás...) pelo Cinema, é claro, mas pelo Cinema enquanto universo global muito particular onde se incluía, de forma tão nuclear quanto, em última análise, obrigatória, o cumprimento escrupuloso de um certo tipo de ritual (como dizer?) mais ou menos... "peri-cinematográfico" feito de pequenos gestos assim como de breves e subtis (mas características!) "emoções" indissociavelmente ligadas ao solene badalar do sino invisível que anunciava o momento mágico do início de cada sessão (tinha de ser um sino! "Aquilo" era mesmo, algo de celebracional e de estruturalmente religioso!...); ao emocionante fru-fru do telão com os inevitáveis anúncios à pasta-de-dentes "medicinal" ou à água mineral "que ia bem com tudo até mesmo apenas consigo própria..."; o mágico telão deslizando, pois, dizia, com a sua dificilmente imitável solenidade, altivez e contraditoriamente muito íntimo (deliciosamente convivial!) garbo; ao inefável, lento, desvanecer-se da luz na sala para que a celebração e o ritual pudessem, por fim, ter lugar...

Ah! E os rostos, claro! O da Lollobrigida e o da Loren (eu "era pela" Loren--decididamente!--desde que a vi no "Terrasse" naquela, para mim, absolutamente perfeita transposição de "La Ciocciara" do Moravia para o écrã--para mim, que tinha conseguido obter "sabe-Deus-como" um exemplar d' "A Romana", proibidíssimo à época, naquela edição fabulosa da "Ulisseia" com a estátua grega nua num fundo branco e negro que é um dos que nunca mais deixei de "ver" à minha frente, sempre que me ocorre pensar na palavra "livro"...); o do Audie Murphy de que já aqui abundantemente falei e que era, com o Alan Ladd, o meu herói, ambos pequeninos mas incrivelmente eficazes--o Ladd com aquela típica poupinha loura e a voz cava que eu pretendia a todo o custo "roubar-lhe", fumando "Portugueses Suaves" sem filtro atrás uns dos outros e constipando-me voluntariamente sempre que a... sorte a isso me ajudava...; o do Stewart Granger e o da Deborah Kerr (de que também já falei e que, com perdão da minha Mãe e do meu Pai, eram os Pais ideais para "cinéfilos" furiosos como eu desejarem ter a fim de com eles e com a sua prodigiosa e única beleza de estátuas com eles se identificarem; o De Sica (por que me terei lembrado dele agora?... Era o "típico" aldrabão das comédias napolitanas, um "Tótó em bonito", com umas cãs fabulosas--meu Deus! Como eu ansiei anos a fio pelos primeiros cabelos brancos para poder ter as fontes como esse prodigiosamente sedutor "intrujão" que me "roubava" as Lorens, as Pampaninis e as Abbe Lanes todas--a Mangano, não! A Mangano era demasiado séria para se meter nesse tipo de "brincadeira", para mais com um "devasso" incrível, sedutor embora, como aquele...; o De Sica que "mas roubava todas", como dizia, e com o qual me estava, pois, vedado distrair-me um segundo só que fosse uma vez que mal desviava os olhos do écrã já tinha voado "outra" em direcção àquelas sábias falinhas mansas "un peu trop" nasais que mais tarde haviam de voltar a fascinar-me mas agora já adulto (já adultos, eu e e ele...) nessa "coisa" verdadeiramente empolgante que foi "Il Generale Della Rovere" da dupla Roberto Rossellini/Indro Montanelli...

Enfim... um cinéfilo era um tipo que frequentava assiduamente "primeiras e segundas matinés", que durante algum tempo usou, também ele, gravata mas que, a partir dos anos '60 passou definitivamente a "turtleneck pullover" e a usar barba (se ela lhe fizesse o favor de se tornar visível quando "era preciso e fazia falta" momento luminoso esse que, no meu caso, custou a chegar e mesmo assim o queixo foi quase tudo o que, durante muito tempo, consegui cobrir de alguma coisa parecida com aquilo com que o James Robertson Justice e às vezes o Ustinov me deixavam roxo de inveja até mais não poder...; que lia a "Filme", que gostava de "Terrasses" e "Lyses" mas que publicamente colocava o "Estúdio" do Império e das quase "secretas", verdadeiramente iniciáticas "sessões clássicas" com o Bergman no topo absoluto das respectivas preferências "oficiais" e por aí fora...

Pois, um cinéfilo desses (dos que ainda restam e por aí "vão andando" como "o outro"...) está sempre àlerta para (e, sobretudo, à cata de!) dos tais "sucessores" para os "mestres" de que atrás falava: achar "sucessores" é, de resto, de algum modo, acho eu, um autêntico pressuposto senão mesmo um absoluto pré-requisito de "cinefilia residuante e militante", diria eu--e falo por mim...

Eu, pessoalmente, ando sempre à procura dos "do" Hawks, "do" Ford e "do" Hitchcock, três dos meus próprios "fetiches cinéfilos" mais íntimos e pessoais.

Do Hawks, é fácil: nunca ninguém imitou o Hawks tão bem (isto é, de um modo tão eficaz, tão perfeito e tão convincente!) como o próprio Hawks.
O Curtiz, como se sabe, bem tentou; o Hathaway e o Walsh (melhor este mas enfim!...) também mas era definitivamente um esforço inglório.
Do Ford não vale a pena falar: esse era "perfeito" e "absoluto"--a "perfect s.o.b": (praticamente) tudo aquilo em que o fulano tocava, dava "ouro".
De (quase) tudo em que se metia saía, a partir de dada altura, "cinematograficamente petróleo", por assim dizer...

Até o Wayne com ele (mas também com o Hawks, é verdade--e por isso, ele era o Hawks!) pareceu, de repente, um verdadeiro Actor e não apenas uma personagem representando-se continuamente a si mesma, como tantas vezes o obrigaram a ser (mesmo quando não era ele: mesmo quando eram o Cameron Mitchell ou o Jim Davis a fazê-lo, era o "Wayne fazendo de Wayne" que ali estava ou que a gente nunca conseguia deixar de "ver", pelo menos...)

E resta o Hitch...
Ora, a propósito especificamente deste, se eu quisesse destacar um "sucessor" moderno (ou pós-moderno?...) legítimo para ele, fazia uma lista com o Mark Robson ("O Prémio" é um Hitchcock quase perfeito, sobretudo um Hitchcock da última fase, daquela d' "A Cortina Rasgada" e de "Topaze"; da última fase porque a outra, a imediatamente anterior, dos geniais "The Man Who Knew Too Much"--2ª versão--de "Vertigo" e do meu preferido: "North By Northwest", essa não se pode pura e smplesmente--senão?...--imitar; com o Stanley Donen ("Charade" é um Hitchcock menor, um "understudy" de "North By Northwest" sem a prodigiosa «inteligência cinematográfica» e até mais abstractamente «cinética e cinemática» do Mestre) e, no fim de tudo, punha "O Barbeiro"/"The Man Who Wasn't There", dos Coen.

"O Barbeiro" que é (porque é!) uma espécie de "Falso Culpado" dos Coen (muuuuito!) bem "disfarçado".

É como "aquilo" do Donen e da "Charade" relativamente ao "North By Northwest", isto é: percebe-se (ou pressente-se!) a homenagem mas vê-se perfeitamente que é "só" homenagem, que não é, como diziam os Bogarts e os Garfields de outros tempos "the real McCoy"...
Com uma diferença importante, diria eu: no caso dos Coen (até porque já passou, sobre o que talvez pudéssemos chamar o putativo "original", tanto tempo que já deixou, por completo, de haver qualquer legitimidade no pôr a questão de qualquer "modismo" ou mesmo aberto oportunismo nestas coisas de "citar" autores de referência...); no caso dos Coen e concretamente deste "O Barbeiro", dizia, a "homenagem" se a há (se a há conscientemente nessa direcção e nesse sentido específicos, quero eu dizer!...) é legítima, é sincera e é, sobretudo, intencional.

Argumentativamente irrecusável, em todo o caso: haja em vista aquela atmosfera opressiva, irrespirável, carregada de convulsionadas angulações e pesadas sombras (o modo como estas são apresentadas--um modo intencionalmente óbvio, ostensivo e às vezes mesmo um tudo-nada excessivo: recitativo mesmo--é já a sua própria interpretação ou muito claramente intelectualizada subjectivização, "citando", sempre "citando": outros tempos e outros cinemas; haja em vista isso, dizia, e haja em vista, também, por exemplo, o modo como os Coen, argumentista e realizador, desenham o perfil de vida objectivo das suas personagens, muito à Hitchcock, como seres completamente perdidos no meio de uma máquina monstruosa--a própria "máquina do real" ou, se assim se preferir dizer: a "máquina do próprio real"--que os conduz a seu belo prazer pela vida, que os esmaga, tritura e conduz, em última instância, por onde ela mesma muito bem "quer", ainda quando eles imaginam ter qualquer tipo de voz realmente activa sobre a sua sorte.
Haja, pois, em vista também isso e ainda o modo (lá está: o modo muito hitchocokiano!) como o argumento do filme "joga" (é o termo!) continuamente com a questão da verdade (do relativismo des/estrutural da verdade!) e das aparências objectuais exteriores desta que são, no fundo, "toda a verdade" a que uma sociedade opressivamente movida e "policiada" por si mesma e sobretudo pela atroz mediocridade e pela extrema cupidez que parece fatalmente condenada a segregar de modo tão contínuo quanto, no fundo, característico pode, afinal, aspirar; "toda a verdade" de que uma sociedade assim pensada e realizada é capaz, a única que ela pode, em derradeira instância, permitir-se...

Não será, de resto (e, por isso mesmo, eu falava atrás de um amplo e ao mesmo tempo minucioso trabalho intelectual de "citação"); não será apenas apenas ("if at all"?) um tributo a Hitch--concretamente ao Hitch desencantado, inesperadamente grave (inesperadamente grave para quem o vê "de diante para trás", i.e. do seu presente norte-americano mais "glossy" e mais aparentemente lúdico para o seu "passado inglês", entenda-se...) e quasi-expressionista, quase... mabusiano de "The Wrong Man": é-o, a meu ver, a todo um certo filme "negro" e desesperado "de época", uma época (no caso de Hitch) indelevelmente marcada, como se sabe, pela subliminar paranoia policial e pelas sombras de um "éfe-bê-ismo hard core" de guerra fria e de omnipresentes delações e generalizada suspeita.

É-o (uma citação e um tributo, quero eu dizer) ao próprio Hawks (com Raymond Chandler pelo meio: é, efectivamente, quase impossível não reparar no modo como o registo em que Billy Bob Thornton é posto a actuar no filme é disposto com o propósito evidente de "citar" continuamente Bogart e "Philip Marlowe"--assim como, aliás, o... "duplo" posterior do primeiro, Jason Robards Junior--John Garfield, Henry Fonda e até um nadinha de William Forsythe...); ao Wilder de "Double Indemnity"; ao John Cromwell de "Caged" (outro dos meus "fétiches" pessoais, aliás!); ao Robert Wise de "I Want to Live"; ao Orson Wells de "Touch Of Evil"; ao Jules Dassin de "Rififi" e por aí adiante.

É também, já agora, possivelmente o mais "europeu" dos filmes dos Coen com instantes de surpreendente inspiração e pura emergência "fellinianas" pontuando a sugestão de "cansado e desesperado, total, absurdo" que paira por cima de todo o filme.

Nesse sentido, o recurso ao motivo (àquela espécie de 'pequeno' «leit motiv» surreal) que é a referência aos "discos voadores" é, de facto, um toque de puro génio, pontuando de modo verdadeiramente prodigioso de "intuição" ou mesmo de aberto "puro instinto narracional" a imperiosa, confessadamente labiríntica, verdadeiramente (kafkiana!) sugestão de "processo" que paira, de modo subtil, por sobre todo o filme, embora os Coen optem, muito (volto a insistir!) à Raymond Chandler, por registar sempre tal impressão (muito devedora, aliás, também e por outro lado, da concepção grega clássica de tragédia, com todo o peso da já acime referida componente "trituradora", esmagadoramente "mecânica", que esta, nos seus melhor e mais sofocleanos ou mais esquilianos momentos conteve, com toda a espécie de possíveis "hybris" e "némesis" pelo meio!...); embora, dizia, os Coen optem por registar tudo quanto atrás disse num óbvio tom mais ou menos subliminar de sarcástico fatalismo que a contenção da performance de Thornton enriquece, por outro lado, por contraste, de forma particularmente poderosa, tal como sucedia, aliás ("here we go again!"...) no Chandler de "The Long Good-Bye" ou "The Big Sleep", para não irmos mais longe na citação de referências "de época" e "de espírito".

...Ou, já agora, com o "motivo" da música de Beethoven e daquela outra "trouvaille" de génio que foi a inclusão da referência à surdez do genial compositor da "Pastoral", dispositivo narracional por meio do qual se "fala", de forma sempre muito caracteristicamente irónica, do homem que compôs alguma da mais bela e mais sublime Música de sempre e que terá, apesar disso (suprema ironia e supremo absurdo: suprema traição da "máquina cega do real"!) dos poucos no mundo que não a dispuseram da possibilidade de ouvi-la (*)...

Se admitirmos, por outro lado, que "O Barbeiro" é (também!) «Hitchcock glosado e, sobretudo, "modernizado"» de modo a "caber naturalmente" nos absurdos tempos de trágica desumanização que vivemos--genial desde logo o título norte-americano pontuando a total in-significância do "sujeito" da História perante a própria História nos nossos dias! (**)--o retrato daquela América confusa, babilónica e prodigiosamente animalesca, dolorosamente boçal e em derradeira instância desesperadamente vazia--daquele inquietante, integral, definitivo "não-lugar" ou "não-lugar-paradigmático-de-todos-os-não-lugares" que é, como o próprio Hitch já havia, aliás, com toda a sua admirável, muito lubitscheana sofisticação, descoberto, a "Americana" no seu--impossível?....--todo); se assim admitirmos que assim é, comecei por dizer, então, o filme é "um Hitchcock" (ou "um Hawks", pronto!...) minuciosamente recontextualizado(s) e cultu(r)al senão mesmo civilizacionalmente levado(s) ao extremo limite.

Cada "twist of the Fate" possui ali, com efeito, um "eco cultu(r)al" reconhecível e até mesmo uma pungência civilizacional que dói, a cada momento, de forma quase física e que os Coen se ocupam obstinadamente em plasmar neste que é seguramente o menos inocente e o mais... "orson-wellsiano" dos seus sempre, de um modo ou de outro, consideráveis trabalhos de fecunda parceria/fraternidade cinematográfica.

Duas palavras para terminar sobre os actores: desde logo, Scarlett Johanson.
Johanson que reedita aqui (sem, em momento, algum a envergonhar--bem pelo contrário: percebe-se ao vê-la perfeitamente o efeito possivelmente fulminante que produziu--ou que terá produzido--em Woodie Allen!...) essa "Lolita" original (e também referencial!) que foi Sue Lyon, no filme de Kubrick (é verdade! Billy Bob Thornton podia perfeitamente ser também um "James Mason pós-moderno", porque não?...
Se pôde ser Bogart e Fonda, por que não há-de poder ser também Mason que estava perfeitamente ao nível de qualquer deles?...)
A verdade é que, de um modo geral não há "rapazes" (nem "raparigas", "for that matter"!...) maus, uns e outros, em "The Barber"--nem sequer o advogado cúpido com aquele nome improvável (judeu?) que faz no filme "o que tem, pelo seu lado, a fazer" num tom de quase caricatura...
Mas não é também verdade é que tudo "aquilo" é, no fundo, uma trágica paródia de realidade e não eram, afinal, os gregos (cuja tragédia os Coen "aggiornam" com um brio inexcedível no filme) que usavam sempre máscaras no seu tão prodigioso quanto, afinal, "fundador" Teatro?...
Assim sendo...
NOTA
(*) "Trouvaille" de génio, lhe chamei e é isso mesmo que se me afigura a referência à surdez de Beethoven, no contexto.
Subjacente a ela está, de modo muito forte, diria eu (ou admito eu) a ideia de que o real nos chega sempre a cada um, mesmo até aos 'eleitos' (como dizer?) continuamente "mediado" pelo acaso senão pelo próprio absurdo, isto é, por algo que não controlamos, ou seja, que não apenas não depende da vontade e do arbítrio humano mas que põe mesmo, no limite, em causa a "autoria" efectiva, real, dos nossos gestos e realizações, fazendo de nós intermediários do próprio real como todo, muito mais do que verdadeiros e activos agentes da sua transformação e mesmo da sua criação objectiva.
(**) Pormenor interessante e, creio, nada despiciendo o daquele título: "The Man Who...".
Aqui não temos um "man who knew too much": temos um outro "man who wasn't there".
E, de facto, é como se não "estivesse nos seus próprios gestos e acções" que a personagem de Billy Bob Thornton se comporta em relação a cada um daqueles e a cada uma destas.
Um crítico do filme (cujo nome lamentavelmente não registei) dizia na Net que a abordagem dos Coen e de Thornton à personagem permitia, pelo modo quase "inteiramente branco" (a expressão é da minha inteira responsabilidade, sublinho) muito "henry-fondiano" como essa abordagem é concebida que a cada um de nós fosse possível projectr os seus próprios temores e os seus próprios fantasmas sobre ela, personagem, de modo a com ela mais eficazmente nos relacionarmos e com ela interagirmos.
Trata-se de uma opinião respeitável e indiscutivelmente muito lúcida, sem dúvida, mas que, a meu ver, talvez não apreenda o essencial do projecto narracional dos Coen.
Este visará muito mais--em meu entender, pelo menos--pontuar e sublinhar o modo des/estruturalmente neutral como os indivíduos se reportam (sempre?) relativamente à realidade (seja lá o que for que isso signifique...) e/ou o modo (im?) preciso como reportam perante ela: um modo caracteristicamente indiferente e completamente passivo, resignado, cansado, que faz deles sempre, em última análise, "objectos", não verdadeiramente sujeitos dessa mesma realidade.
É, em meu entender, "cinematograficamente perfeito" que isso venha também cinematograficamente dito--e cinematograficamente expresso--isto é, com recurso à "citação" deliberada de um conjunto de "personae" fílmicas clássicas como as que mais ou menos imediatamente relacionamos com os já aqui várias vezes referidos Henry Fonda, Humphrey Bogart e/ou John Garfield, para apenas citar alguns dos mais famosos.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

"Paradoxes are paradoxes or... are they?..."

Don't get me wrong!
I do like Kafka! It's reality as a whole I am talking about!
Sometimes reality is in fact all but linear and diafanous--altogether clean and clear as we wish it to be in all casa...
Sometimes in fact it is too damn contradictory to be immmediately fully grasped...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

"Antígona Gelada" ou "A Antígona em Forma de Rosa" do Armando

No Triplov, a Estela teve a gentileza de publicar uma pequena série de impressões minhas sobre o espectáculo do CENDREV e da Comuna com o texto do Armando, "Antígona Gelada".
Foi, como digo, sem dúvida, simpático e generoso da parte dela.

[Na imagem: "Antígona e o corpo de Polinices", extraído da Wikipedia.]

"Questões de Estado ou a «questão do Estado»?"


No "Público" de 03.01.09 leio um texto de Vital Moreira sobre o cada vez mais inquietante "caso" Freeport.

Vem, claro, Vital Moreira a terreiro exigir a clarificação das suspeitas (ou não-suspeitas, tudo isto é cada vez mais brumoso e mais confuso...) que impendem sobre o primeiro-ministro de Portugal envolvendo o suposto recebimento por parte deste, enquanto ministro do Ambiente de um anterior governo, de um suborno de alguns milhões de euros, pagos (ou não...) pelo intermediário português de uma empresa estrangeira para "facilitar" a instalação do tal Freeport em Alcochete, em zona reservada.

Tudo isto com tios, sobrinhos e advogados conhecidos à mistura, como se sabe.

No seu artigo ("O caso Freeport como "questão de Estado"") começa Vital Moreira por incluir, com evidente veemência, uma crítica ao Presidente da República por, segundo ele, não ter aproveitado, alegando constituir tudo isto de uma "questão de Estado", o que o próprio Moreira define como "uma excelente ocasião, no seu discurso na sessão inaugural do ano judicial, de denunciar e censurar em geral a inaceitável demora das investigações penais (em prejuizo do bom nome dos suspeitos inocentes), a recorrente e impune violação do segredo de justiça (que vincula toda a gente) e a frequente instrumentalização de informações ou pseudo-informações não confirmadas, para fins de ataque político qualificado".


Ora, neste artigo de Vital Moreira há, em meu entender, diversas coisas curiosas.

Primeiro embora não propriamente (longe disso!) a mais importante, o supor Vital Moreira que nós, leitores, estamos interessados em saber aquilo que ele, Vital Moreira, faria (ou diz que faria) se fosse Presidente da República.

Porque é disso, na verdade, que, em última instância, estamos a falar.

Diz o articulista, com efeito, o seguinte:

"O actual P.R. foi discursar "não-sei-onde" e escolheu os temas tal-e-tal para incluir no seu discurso?"

Olhem, pois se fosse eu escolhia antes estes-e-estes!..."

Pronto: é um direito de Vital Moreira (como é o meu de optar por outros ainda, por exemplo aquele que o jornal converte em tema do editorial--ver Paulo Ferreira, "Há algum dinheiro. Mas está nos bolsos errados"--onde se fala das dívidas do Estado às empresas: porque não, com efeito?...)

É, repito, um direito de qualquer cidadão este, que pode, em última análise, ser visto como a curiosíssima mas, em caso algum, ilegítima (bem pelo contrário, aliás!) não sei se ingénua pretensão de... "ensinar o Padre-Nosso ao vigário".

No fundo, o exercício responsável da Cidadania é (também) isso: o estar atento aos "gestos" e aos "movimentos" (mesmo se só verbais...) do poder e ter opiniões precisas e responsáveis sobre cada um deles--ou sobre muitos deles, pelo menos.

Sobre aqueles que reputamos de mais relevantes, seguramente.

Para Moreira seriam aqueles temas que ele diz; para mim (a quem a opinião de Moreira, francamente o confesso, na realidade, não-aquece-nem-arrefece--embora me incomode sobremaneira o modo como a imagem do País, queiramo-lo ou não, finjamos ou não ignorá-lo, sai irremediavelmente "chamuscada" de todo este "imbroglio" que está subjacnte ao seu artigo) seriam seguramente esse outros ou também esse outro, tendo em vista a actual situação de crise económica e social generalizada.

É, insisto, também tudo isto, a Cidadania.

O que já se entende menos bem são, a meu ver, duas coisas:

Primeiro, a existência perfeitamente aceite, assumida mesmo, de um paradigma específico de intervenção política assente, em última (mas real) instância, num crucial (ou mesmo, "sans blague", vital) 'momento dinâmico' de todo o processo por ele determinado, precisamente naquilo que Vital Moreira vem agora censurar.

Ou seja, assente em larguíssima (e determinante!) medida, naquilo que todos os políticos censuram e verberam quando opera ao contrário do que são os seus interesses específicos mas também realmente circunstanciais (pessoais, partidários e por aí fora) mas que não hesitam em explorar até à exaustão, quando, ao invés, convém aos tais interesses, pessoais e/ou partidários.

A saber: o que o próprio Vital Moreira designa por "julgamento político-mediático".

Que é, com efeito, uma... "campanha eleitoral" senão a utilização (por vezes, obscenamente desonesta, aliás!) de um "julgamento" exactamente público (desoladoramente primário, não-raro!) que, pela sua falta de conteúdo e de substância técnica específica (em matéria política, económica, financeira, etc.) é feito todo ele (e, por isso, eu falei em obscenidade e poderia falar em desonestidade, pouca-vergonha, e por aí adiante...) com base na exploração muitas vezes primária, como digo, de emoções, de impressões sem o mínimo conteúdo, dos instintos mais rudimentares--da acefalia mais fácil e mais indecorosamente manipulável--das massas quando não da im/pura e simples superstição e do im/puro e simples preconceito?...

Aí, já poucos são em geral os que sentem o impulso (civicamente tão são quanto, afinal, sempre escandalosamente intermitente e in/essencialmente "funcional"!) de verberar os "julgamentos" do exactíssimo tipo daquele que passa, todavia, subitamente, a constituir «prática ignóbil» e «atentado político-mediático à integridade cívica» e por aí adiante, logo que se vira contra aqueles mesmíssimos agentes (chamemos-lhes, apesar de tudo, generosamente...) "políticos" que, ainda uns segundos antes, juravam a pés juntos confiar sem reservas no "sábio julgamento do povo" e a ele,em conformidade, entregavam (com todo o peso das respectivas máquinas de condicionamento e manipulação que são os grandes partidos) o futuro inteirinho dos seus próprios ricos futuros políticos...

Entendamo-nos: não falo de quebras de segredos de justiça e quejandos.

Esses são casos específicos de violação da lei que existe e constituem obviamente matéria penal.

Não se discute.

Não falo disso, sequer, portanto.

Falo sim, de um sistema político e simultaneamente, no caso, judicial que é (perdoe-se-me a expressão) "cúmplice activo da sua própria inépcia e da sua própria incompetência" para auto-regenerar-se, criando as condições objectivas necessárias para que esse tal "segredo" de "Justiça" deixe de poder ser alternadamente usado como arma de arremesso dos "interesses" partidários, como, aliás, não me resta a mais pequena dúvida de que, a cada passo (e, se calhar, concretamente neste) sucede.

Sucede, em qualquer caso, repito, não é segredo para ninguém, sempre que a cada um dos grandes partidos que monopolizam regularmente o poder entre nós "dá jeito" e convém...

"Casas Pias", "Camararates" e por aí adiante...

Embora quando, ao invés, in-convém não deixem nunca de vir a terreiro, quais virgens impolutas e histéricas, com tremeliques e tremeloques de toda a ordem, exigir indignadamente "justiça" e "respeito pela Verdade cívica e política"...


Ponto um.


Passemos ao ponto dois.

O ponto dois é este: o primeiro-ministro de um país europeu, dito "democrático" vê-se, em pleno século XXI, subitamente envolvido numa escandaleira imensa envolvendo alegadas "bribes", "serious fraud" e "corruption".

Foi o homem "subornado"?

Praticou alguma dessas "serious frauds"?
Deixou-se, numa palavra, "corromper"?

Não sabemos.

Como defensores dos princípios básicos do Estado de direito acreditamos em tese que não--até que algo venha a provar-se em contrário, como é, aliás, estrita mas não estreitamente, exigido pela letra e pelo espírito da lei.

O que acontece é que este primeiro-ministro faz parte de um governo dito representativo que é supostamente vítima de uma "campanha negra" (bela e, sobretudo, eufónica e eficaz expressão, sem dúvida!...) que, ao contrário, aliás, do que parecem sugerir as defesas que dele fazem os advogados da "cabala local" chegou já ao exterior, à Justiça inglesa, tendo deixado, pois, já há muito, claramente, de constituir mera "trica" local e, por conseguinte, localizada ou localizável.

Ora, o primeiro-ministro de um país democrático responde obviamente perante quem o elegeu--no sentido de responde perante toda a sociedade que, votando ou não nele e no partido "dele", fez com que fosse eleito e que ele deve por definição, nos múltiplos sentidos da palavra, representar.

Tem responsabilidades políticas, internas e externas, tanto quanto jurídicas e especificamente judiciais.

Não pode eximir-se a elas nuns casos e, pelo contrário, reivindicá-las expressamente noutros.

Claro que as pessoas discutem!

Devem discutir!

É delas; é do País; é da sua imagem pública nacional e internacional; é da dignidade da própria Democracia que todos dizem respeitar e defender; é de responsabilidade cívica e política que se trata, meu Deus!

Os jornais mentem, caluniam, difamam?

Processem-se!

A Justiça é lenta?

Pois é! Mas não é lenta só quando o primeiro-ministro é, justa ou injustamente, suspeitado: é lenta sempre e para todos (para todos, mais até, por óbvias razões, do que para o primeiro-ministro mas enfim...) e se há quem possa (e deva!) fazer algo para que tal não aconteça é precisamente o primeiro-ministro e o governo que ele encabeça.

Mais: a competência e o merecimento democrático de ambos mede-se também, de forma determinante, por , pelo modo como um e outro sabem ou não ajudar a regenerar as instituições de cujo deficiente funcionamento não podem, em caso algum, de forma levianamente passiva, vir a público lamuriar-se (o primeiro-ministro ou alguém por ele) apenas e só quando (e porque!) dá jeito...

Vital Moreira é livre de acreditar que o primeiro-ministro está inocente do que o acusam.

É tão livre de acrdeditar nisso quanto outros o são de crer precisamente no contrário disso.

Tem--terá--os mesmos exactos fundamentos que outros têm para crer no tal contrário: se o segredo de justiça não foi, noutros pontos, violado, nem uma nem outra partes têm fundamento algum.

Não sabem.

Não viram.

Não podem em consciência jurar.

Agora, seguramente curioso é o modo como Vital Moreira encerra ou coroa a argumentação do seu texto.

Está ele preocupado com a tal imagem interna e externa do País?

Estará mas não diz.

Está ele, acima de tudo preocupado, com a hipótese de o "fumo" ter, afinal, com tanto tio e tanto sobrinho metido no caso, o mínimo "fogo" e envolver a credibilidade da própria República, de tal modo que já chegou de um modo ou de outro, como disse e é sabido, à polícia de um país estrangeiro?

Estará mas não diz até porque é evidente que já formulou o seu próprio julgamento sobre o (não?) caso.

Significativo é, todavia, permito-me eu afirmar, o modo como ele sustenta a sua indignação: com o que entende ser (e ele lá terá as suas razões para entender isso mas enfim...) a tal "gigantesca instrumentalização de uma investigação penal" que, aliás, "inconclusa e reservada" embora, como ele diz, não nega nem desmente, de que fala a dado outro passo do seu artigo.

Diz Moreira textualmente: "Sendo óbvio que o enlameamento (sic) de Sócrates e a difusão da suspeição política sobre ele poderá (sic) acarretar consideráveis perdas eleitorais ao PS [sublinhado meu]--sendo esse obviamente o objectivo deliberado dos que desencadeiam e alimentam esta operação [pergunta minha: E isto? Não é isto com todas as letras uma suspeição, um "enlameamento" e "julgamento" sobre a idoneidade específica da imprensa de um país dito democrático no contexto do qual o papel independente dessa mesma imprensa se revela factor essencial?...]

Mas Moreira não fica por aqui.

Para quem ainda alimentasse dúvidas sobre o tipo de preocupação de que está, em última instância, possuído, continua dizendo que [o que há de perverso nesta "operação" será que] "é por demais evidente que o resultado das eleições pode vir a ser decisivamente influenciado por ela" [sublinhado meu].

E aqui fica, num ápice, claro o modo como, no fundo, o "sistema" se reflecte, afinal, a si mesmo, se pensa a si mesmo e se vê a si mesmo: como uma gigantesca máquina de poder à qual, em última instância, apenas o poder e os modos de obtê-lo e de disputá-lo efectivamente mobilizam e importam.

Os quatro derradeiros (e, de resto, bem "maciços"!) parágrafos do artigo de Moreira são sobre possíveis danos eleitorais para o partido que hoje obviamente apoia e cuja permanência no poder não hesita, não menos obviamente, em advogar sempre que pode, como é fácil constatrar por quantos têm o costume de ler o jornal onde habitualmente escreve.

Não é isso que me incomoda--ou sequer que me interessa: o partido em que Moreira vota, as fidelidades que entende nutrir e publicamente ou não evidenciar.

Isso é lá com ele e que, como diz "o outro", lhe faça muito bom proveito.

Respeito as dele (i.e. respeito em abstracto democraticamente o direito democrático a tê-las ele e a defendê-las ele sempre que as considerar postas em causa e/ou atacadas) tanto quanto respeito, como princípio democrático básico, as minhas próprias e tanto quanto exijo que meus concidadãos em geral mas respeitem.

Não são, repito, as opções políticas e especificamente partidárias de Moreira (ou de outro qualquer, já agora) o que me interessa, pois.

Interessa-me, sim, muito para além de Moreira, de Sócrates ou de outro qualquer, como digo, o modo como o poder se acha hoje-por-hoje, concretamente (des) estruturado em Portugal; o modo como--os mecanismos por intermédio dos quais--o poder se institucionaliza e se perpetua mas, sobretudo, o modo como ele escassas décadas depois de Abril, se converteu já, objectiva e não-democraticamente no único real objectivo e conteúdo de si próprio.


É, penso eu convictamente, com todo o respeito mas também com a maior e a mais séria das preocupações cívicas e políticas, disso que "fala" abundante, eloquentemente, no fundo, o artigo do "Público".

E o mal é exactamente esse.
[Imagem extraída com vénia de puroveneno.blogs.sapo.com]

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

"A minha «proibida» paixão-1"

Deixem-me que interponha aqui a referência a um tópico supostamente menos "sério" do que a maioria dos restantes constantes deste "Diário": aquele em que está envolvido o meu benfiquismo afectivo", com certeza mas também, como digo noutro local, "sociológico", tantas vezes re/confessado e re/confirmado.
Trata-se de uma visita ao Estádio da Luz (ao velhinho Estádio da Luz) nos anos '80 e que não resisto aqui a evocar com uma comoção e um entusiasmo que, aliás, não escondo.
Na imagem estão (estamos...)

o Jorge Martins, o Joel, o Néné, o Carlos Machado Acabado, o Veloso, o José Luís, o Chico Vital, o Folha e o Vítor Martins, o "Garoupa".
Que saudades!
Deles e das minhas próprias barbas, à época ainda tão negrinhas, tão 'frescas' e tão viçosas!...
Onde já vão elas!

"A minha «proibida» paixão-2"

Outra imagem com o motivo imediatamente acima. Nesta estamos o Jorge Silva, o Carlos Manuel, o Jorge Gomes, o Carlos M. Acabado, o Chalana, o Diamantino e o Bento, o malogrado 'Manel' Bento no mesmo dia em que visitei a "Catedral"...

"Do Estado Consciência" ao... "Estado almocreve": breves reflexões a respeito do "caso" Freeport


Punhamos, desde logo, as "cartas" todas "na mesa", de uma vez: não tenho qualquer problema em admitir (e isto para ser simpático, ham?) que não suporto ("nem com molho de tomate"!...) o cidadão que o eleitorado entendeu que podia ser escolhido para primeiro-ministro do País onde nasci e vivo--do meu País, portanto; que não gosto mais daquela... "espécie de partido político" asmático, zoina, comborço e caprichoso (uma autêntica "menina histérica ideológica e cívica"--cívico, aquilo??!! Enfim...--percorrida pelas mais impúdicas tremuras e pelas mais grosseiras flatulências de 'virgem imaginária' sempre que voluptuosamente dela se acercam, a fim de lascivamente, lhe... "tocarem" os arreitados "interesses"--como dizia o Dr. Cravinho...

Sem reservas declaro de igual modo (e com igual franqueza!) que nutro o mais profundo desprezo pelos "diários" de "notícias" que não hesitam em vender a própria mão que lhes "dá o pão" se isso contribuir para aumentar as vendas, sem deixarem, só por causa desse "insignificantíssimo" pormenor de estar, aliás, sempre com caracteristicamente untuosa "devoção", "ao serviço da causa" quando a "causa" é objectivamente ameaçada.

Uns e outros, não são, afinal, eles mesmos outra coisa senão parte integrante e activa dos "interesses"--dos tais "interesses" que chutaram o Dr. Cravinho para Bruxelas, acho eu (ou talvez fosse para... "Trás-do-Diabo-Mais-Velho", não me lembro bem; de qualquer modo um e outro são, para os mais diversos efeitos, vizinhos e assim fica tudo, afinal, "em família"...).

Não gosto, pois, da "gente" que uns e outros configuram: se pudesse, corria com todos e pronto: recomeçava o País do zero, no ponto exacto em que o deixou o generosíssimo (e também imerecidíssimo! O País nunca o mereceu!) esforço saneador de '74, esse malogrado denodo higienizador a que ficam para sempre ligados rostos e personalidades como os Maias, os Gonçalves (é absolutamente arrepiante o que uma certa "velhacaria funcional" contumaz, múltiplice e institucionalizada fez a uma das mais solitária e mais exemplarmente sérias figuras que o País alguma vez conheceu!), dos Otelos (porque não dos Otelos, meu Deus? Valia mais ele com toda a sua desmesura e os seus truculentos, espumejantes excessos do que trinta ou quarenta Sócrates todos juntos!...) e de poucos mais.

Bom mas se hoje retomo aqui esta questão não é tanto por eles mas é, sobretudo, como consequência directa e imediata de uma notícia que li recentemente na imprensa referente ao pantanoso "caso" do Freeport.

A notícia é do "Diário das ditas" (é verdade, sim senhor! Comprei-o: era dia de darem um DVD e aquilo que eu comprei realmente por um euro e qualquer coisa foi o DVD que à sexta e ao sábado "dá", como sabem, um jornal de borla...).

Pois, dizia eu, lá comprei a "coisa" (não se iludam, ham? "Aquilo" até às vezes tem graça, ham? Como daquela vez em que um fulano de lá vinha muito indignado desafiar, em editorial e tudo, o patuscão do "Pacholas" Pereira "pr'á porrada" porque ele lhes chamou "pasquim da situação" ou coisa que o valha... São momentos de puro humor como esse que acabam, afinal, por salvar a honra da casa--quem faz rir assim não pode ser completamente mau, digo eu...).

Pois, mas, como ia dizendo, comprei a "coisa" e deparo com uma notícia em que um outro fulano qualquer, um tipo do C.D.S., esse (ou talvez fosse "do-cêdeêsse-èsse"...) informava com todas as letras que na Cãmara de Alcochete chegou a funcionar, diz ele (e cito:) "um gabinete de recrutamento de mão de obra para o estabelecimento comercial".

O "estabelecimento comercial" é evidentemente o tal Freeport ou lá como é que se chama aquilo.

Ora, eu não sei, obviamente, se o cidadão José Sócrates é culpado ou não do que dizem (e algum fundamento terão obviamente para dizê-lo mas enfim) que ele pode ter feito no âmbito deste escabroso "caso" Freeport.

Também não sei se o tal primo e o tal tio são aquilo que se diz poderem eles ser, isto é, associados nalguma tramóia envolvendo o Freeport e agora também uns americanos quaisquer, entre os quais se encontra, aliás, o "cabalístico" e brumoso Carlucci (que andou, como sabem, por cá em '74 e '75 a "dar força à democracia contra a ameaça totalitária" e coisas no género, aparentemente sem reparar que "isto" era, afinal, um País independente).

Não sei, pois, dizia, se o tal tio e o tal primo são o que a Justiça inglesa (que não terá andado, essa, a "assobiar para o ar" como outras suas congéneres terão andado, neste "caso"mas pronto, isso são "outros" contos!...) admite que eles possam ter sido.

Não sei mas também no fundo não me interessa muito: se são que os prendam que para isso pagamos a polícias e juízes. E pronto! Não são mais do que ninguém: se forem culpados, que paguem e acabou-se. Não os conheço nem quero conhecer, antes ou depois.

Não me interessam, ponto.

Já no que diz respeito ao caso do cidadão Sócrates, as coisas "fiam mais fino", como é evidente e estou em completo desacordo com outro senhor do tal jornal (adivinharam! É o mesmo!...) o tal que não é "da situação" ("Perish the thought, of course!...") e que achava, pela boca de um dos seus articulistas residentes, incorrecto que o assunto fosse discutido publicamente como se isto de o primeiro-ministro do nosso próprio País figurar numa lista de suspeitos da polícia internacional não fossem "contas do rosário" de todos nós e não devesse, aliás, escandalizar-nos e deixar-nos, no mínimo, profundamente apreensivos e incomodados com o tipo de pessoas com quem politicamente temos, queiramo-lo ou não, de relacionar-nos...

Mas não é nem do tio nem do sobrinho nem do político que venho hoje, realmente aqui falar: é de uma certa imagem muito... pós-moderna e pós-cultural--completamente pós-civilizacional!--de "Estado" que subjaz àquela inimaginável "patacoada" de ter o gabinete de recrutamento de mão-de-obra de uma multinacional qualquer instalado num órgão de poder do Estado!

Subjacente a essa pouca vergonha de pôr órgãos de soberania a "trabalhar" especificamente para "os interesses", ostensivamente em nome da "solidariedade social" e da "promoção do emprego" encontra-se, afinal, aquilo que permite a cidadãos como eu, defensores assumidos da importantíssima (da verdadeiramente vital!) conquista civilizacional moderna que foi o que chamo o Estado-consciência observar com toda a propriedade crítica e analítica que a ruptura dessa mesma Modernidade e a tentativa de fazê-la regredir miseravelmente para "tempos históricos e mentais" (sociais, políticos, económicos, civilizacionais etc.) anteriores à Revolução Francesa e a tudo o que foi penosamente aberta porta-de-entrada para a Modernidade passa hoje (eu diria: passa hoje de forma literalmente subversiva e nuclear) pela re/conversão daquele em indesejáveis paradigmas de "Estado (im!) puramente funcional" ou mesmo abertamente de "Estado almocreve" de que o tal "gabinete", obscenamente "enquistado" numa Câmara Municipal, é um lamentável e, em meu entender, absolutamente indecoroso "exemplo"...

Que explica, aliás, em última análise, muita coisa...


[Imagem extraída de semiramis.weblog.com.pt representando o rei de Portugal, na figura de Laoconte, enredado com os "filhos", Fontes Pereira de Melo e Braaancamp, nas complicaões da época--legenda original da fonte de onde a imagem foi extraída com a devida vénia.]